Vítima permanente da mão pesada do Planalto
A fritura de Jean Paul Prates à frente da Petrobras reacende uma discussão que permeia a trajetória da principal empresa brasileira — os efeitos da intervenção da Presidência da República e a extensão dos danos que isso causa à petroleira. Luiz Inácio Lula da Silva não é o primeiro a tentar determinar o papel da estatal, mas, para especialistas ouvidos pelo Correio, ao menos acreditava-se que esse tempo tinha ficado para trás. Sobretudo, chama a atenção a forma ostensiva como o presidente pretende traçar a direção que a Petrobras deveria seguir.
O carioca Prates é reconhecido como um homem “do ramo” e qualificado para comandar uma empresa da magnitude da petroleira. Tem mestrado nos Estados Unidos em planejamento energético e gestão ambiental pela Universidade da Pensilvânia e na França, em economia de petróleo e motores — título concedido pelo IFP Energies Nouvelles (Instituto Francês do Petróleo e Novas Energias). Em 2022, ainda senador, relatou o projeto de lei que muda a política de preços da Petrobras e cria uma conta equalizadora para evitar mudanças abruptas nas bombas nos postos de combustíveis.
Prates foi escolhido por Lula para presidir a estatal ainda na transição de governo. Isso incomodou setores “desenvolvimentistas” do PT, que foram ultrapassados na indicação de um nome mais alinhado com o que pretende, hoje, o presidente da República — que a Petrobras retome investimentos em refinarias e financie a retomada da indústria naval brasileira, foco antigo de projetos megalômanos, escândalos e fracassos.
Segundo o economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), pela própria natureza a Petrobras é sujeita a intervenções. Tamanho, faturamento e a cadeia produtiva que gira em torno fazem com que a empresa extrapole as fronteiras da sua atividade-fim — pesquisar, prospectar e refinar petróleo. “As intervenções podem ser voltadas para o controle da inflação, por meio da política de preços de combustíveis; para investir em setores estratégicos, como a exploração do pré-sal; ou para influenciar a balança comercial”, lembra Nogami. “No entanto, tais intervenções podem ter consequências financeiras e impactos mais amplos na economia. Cabe lembrar que a gasolina representa 5,15% no cálculo da inflação e o gás de botijão, 1,07%”, pontuou.
As divergências entre Prates e setores do governo emergiram a partir da discussão sobre a distribuição de proventos pela petroleira — ainda na campanha presidencial de 2022, Lula defendeu que esse recurso deveria ser reinvestido em pesquisa e desenvolvimento. E os ânimos se exaltaram ainda mais porque se aproxima o prazo de 19 de abril para decidir sobre a distribuição dos dividendos extraordinários da empresa — conforme anunciado em 7 de março, quando a Petrobras divulgou o balanço de 2023 e comunicou ao mercado a decisão de não distribuir esses lucros.
Não à toa o confronto se acirrou. Afinal, são aproximadamente R$ 43,9 bilhões, o equivalente a R$ 3,3 por ação. Representa um potencial rendimento em torno de 8% em relação aos preços atuais das ações, caso tais dividendos sejam distribuídos integralmente. Com o aval de Lula, os lucros foram retidos e colocados em um fundo de reserva da estatal.
A decisão foi mal recebida pelos investidores, que viram no gesto sinais de interferência política na companhia. Percepção que foi acompanhada por um movimento maciço de venda das ações da empresa. Em 7 de março, a Petrobras perdeu cerca de R$ 55,3 bilhões em valor de mercado na Bolsa de Valores (B3).
Para André Colares, CEO da Smart House Investment, “a Petrobras, com sua recente revisão da política de dividendos e um histórico sólido de lucratividade, tem a capacidade de distribuir dividendos extras”. Já o sócio da Ipê Investimentos Fabio Murad ressalta que “embora a Petrobras tenha potencial para oferecer retornos substanciais, também carrega um nível considerável de risco, em parte devido à sua estreita relação com o governo”.
O economista Volnei Eyng, CEO da Multiplike, crê que há uma forte inclinação do governo para que parte dos dividendos seja distribuída, especialmente considerando a importância desses recursos para alcançar a meta fiscal de deficit zero — a União embolsaria cerca de R$ 6 bilhões. “Representaria uma injeção significativa de capital”, resume.
Porém, Eyng salienta que o ruído em torno de Prates desestabiliza a empresa. “Rumores de demissão e especulações são vistas como preocupantes para o mercado financeiro, dadas as históricas interferências e políticas controversas adotadas (para a estatal) em mandatos anteriores”, lembra.
Já a Petrobras negou, ontem, que a reunião do Conselho de Administração, realizada na sexta-feira, tenha tratado da distribuição dos dividendos extraordinários. “O tema não estava na pauta da reunião e sequer foi mencionado ao longo do encontro entre os conselheiros”, afirmou a companhia em nota. Prates não participou do encontro do colegiado por estar ocupado com outras reuniões, segundo a assessoria de imprensa da empresa.
A pauta da reunião do conselho, de acordo com a estatal, tratou apenas de troca de gerências — Prates teria deixado o voto consignado com o secretário-geral. Vários conselheiros não compareceram, ou entraram remotamente, por se tratar de uma pauta sem questões relevantes. (Com Agência Estado)
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