Parece uma surpresa, mas não é
Abril foi bastante turbulento em termos de perspectivas, o que pode ser verificado na reação dos mercados quanto ao afrouxamento das metas fiscais anunciadas pelo governo. O mercado financeiro não é exatamente um “ente” com poderes próprios ou sequer uma consciência única. No fundo, acaba por ser um espectador como outros, mas concentra indicadores que revelam, efetivamente, o que se pensa. Em outras palavras, reage com mais clareza e intensidade à condução da política econômica do País. Diferentemente dos cidadãos comuns, da classe política ou dos partidos, o mercado não emite opiniões, mas dá sinais. E é justamente por dar sinais que acaba induzindo ao erro quem o trata como uma espécie de super-humano.
Esses sinais, na verdade, são resultados de ações, e não de opiniões. A Bolsa e o dólar sobem ou caem não porque o mercado quer ou porque há uma opinião de mercado, mas porque as pessoas que atuam nesse tal mercado (sim, o mercado financeiro é um agrupamento de pessoas que compram e vendem ativos, assim como o supermercado é um agrupamento de pessoas que compram e vendem produtos para o consumo) compraram ou venderam ativos de acordo com a sua percepção do que vai acontecer.
Sem ignorar a importância da flutuação da taxa de juros, a inflação americana e os conflitos internacionais, por exemplo, os sinais de mercado, irritem ou não os políticos e o cidadão comum, são importantes: o comportamento das pessoas que atuam no mercado financeiro tem um alto custo em investimentos, ao contrário de uma opinião atrelada a uma visão específica de mundo.
O mês, ainda não terminado (artigo escrito em 21/4), teve o dólar começando a R$ 5,06, com mínimo de R$ 5 e máximo de R$ 5,27. A Bolsa de Valores não foi muito diferente: começou o quarto mês do ano em 126.990 pontos, passou pelo mínimo de 124.170 e pelo máximo de 129.890. Essa volatilidade se deve à realidade e às perspectivas emitidas dos agentes. Ninguém compra ou vende dólar, nem ações, apenas para “sacanear” o governo A, B ou C.
Não custa lembrar que o controle das contas públicas e o equilíbrio fiscal são fundamentais para a sustentabilidade econômica de um país — e têm tudo a ver com essa instabilidade dos mercados neste mês. Controle (ou não) das contas públicas influencia diretamente a capacidade de um governo de financiar serviços, investir em infraestrutura e até evitar ou responder a crises, além de influenciar a confiança dos investidores (o mercado) e a estabilidade macroeconômica. Manter as contas em ordem ajuda, ainda, a garantir a sustentabilidade da relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB), abrir caminho para a redução das taxas de juros e evitar (ou minimizar) a volatilidade de preços e outras crises econômicas.
O arcabouço fiscal, proposto no começo de 2023, apesar de mais flexível e menos assertivo do que o teto de gastos, foi bem assimilado pelo mercado naquele momento. Todavia, as constantes mudanças de projeções, sempre para pior (mais gastos e aumento de deficit), estão minando a confiança de quem apoiou as primeiras sinalizações da política econômica do atual governo. E não se trata de uma batalha entre consumidores vulneráveis e investidores milionários: as coisas, em geral, andam bem ou mal simultaneamente para os dois grupos. Os interesses de investidores muito grandes ou do pequeno poupador são os mesmos: menos incertezas, inflação controlada e juros baixos.
O pano de fundo para esse cenário complexo é que o Brasil convive, há décadas, com baixos índices de crescimento econômico. Fazer negócios por aqui é mais custoso do que as empresas podem (e deveriam) pagar, e se a população gasta muito com impostos, o retorno público sobre eles é cada vez pior, consequência de um Estado que não para de crescer. Por essa razão, a FecomercioSP tem defendido a modernização do Estado em todos os seus aspectos — para que o ato de empregar, investir, empreender e gerar renda seja menos custoso.
As sinalizações recentes servem como alerta e como uma resposta sincera ao cenário. Não são, de forma alguma, provocações maldosas de quem não quer o bem do país. Sabe-se lá em que patamar a moeda norte-americana ou a Bolsa vão encerrar o mês, mas isso depende das sinalizações do governo, em especial quanto às contas públicas. Da mesma maneira, a inflação futura, as taxas de juros (não só a Selic, mas as efetivamente praticadas para empréstimos ao consumidor ou para quem quer investir) dependem do que os agentes econômicos vislumbrarem.
ABRAM SZJAMAN
Presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)
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